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NEWSLETTER nº4 |  CÁTEDRA CASCAIS INTERARTES   |  Outubro 2018
 
O quarto número da Newsletter da Cátedra Cascais Interartes dá notícia das bolsas atribuídas no âmbito do apoio à investigação sobre as personalidades ou tópicos que são objecto primeiro da sua actividade. No plano das actividades realizadas envolvendo os membros do conselho científico da Cátedra, transcrevemos duas entrevistas; uma delas concedida pelo Doutor Antonio Sáez-Delgado a propósito da publicação do oitavo número da revista Suroeste, e outra, concedida pelo Doutor João Pedro d’Alvarenga a propósito de um recital de canto gregoriano realizado no claustro dos Jerónimos. Ainda no âmbito das actividades relacionadas com os membros do conselho científico, reproduzimos excertos da notícia publicada pela Pastoral da Cultura, relativamente à oratória concebida por D. José Tolentino Mendonça. Por fim, damos notícia de dois eventos que decorrerão brevemente, a palestra sobre Mário Dionísio, a cargo do Doutor José Manuel Mendes, e a palestra sobre David Mourão-Ferreira, que será realizada pelo Doutor Pedro Ferré.
 
 
1. BOLSAS
 


Pela segunda vez, a Cátedra Cascais Intertartes abriu um concurso para atribuição de uma bolsa de apoio à investigação no valor de 5.000€. Um júri presidido pelo director da Cátedra, Doutor Mário Avelar, e tendo como vogais os doutores Antonio Sáez-Delgado e Mário Vieira de Carvalho, apreciou os vários projectos apresentados, tendo deliberado apoiar três: o de Ana Maria Ângelo Marques da Silva -
Ana Hatherly: Programabilidade e Criação; o de Guilhermina Maria Lopes de Carvalho Santos - Fernando Lopes-Graça e a Literatura Moderna Brasileira; e o de Rita Novas Miranda – Mãos Oblíquas. Graças à generosidade da Fundação Dom Luís I, que patrocina esta iniciativa, foi possível atribuir aos três projectos o montante inicialmente destinado a um só.

 
 
bolsa
Ana Hatherly:
Programabilidade e Criação



O trabalho a desenvolver no âmbito da Cátedra Cascais Interartes tem como objectivo a celebração da obra de Ana Hatherly e a divulgação de aspectos menos conhecidos da sua produção artística. O eixo que articula este projecto é a organização de uma exposição subordinada ao tema “Programabilidade e Criação”, que pretende explorar o conceito de ‘programa’ na obra desta autora através da selecção de um conjunto de obras literárias e plásticas que evidenciem a importância do recurso a constrangimentos na produção de objectos artísticos.

Decorrendo da exposição iremos organizar visitas guiadas para escolas do concelho de Cascais; apresentar uma performance verbovocovisual pelos artistas Américo Rodrigues e Jorge dos Reis; organizar uma projecção de filmes de Ana Hatherly e do documentário de Luís Alves Matos; e, por fim, organizar uma conferência sobre a autora.
 
 
bolsa
Fernando Lopes-Graça
e a Literatura Moderna Brasileira


 

Este projecto envolve várias actividades que têm como foco obras musicais referentes à relação entre Fernando Lopes-Graça e a literatura brasileira do século XX. Para além das suas composições, Gabriela Cravo e Canela e Desafio, também são consideradas peças brasileiras com as quais o compositor comprovadamente teve contato.

Edição crítica
Propõe-se realizar uma edição crítica da partitura da canção Desafio. Considera-se realizar o trabalho a partir de duas fontes às quais a autora deste projecto teve acesso: um manuscrito autógrafo disponível no MMP, datado de junho de 1958, com copyright do autor de 1960 e um manuscrito autógrafo datado apenas de junho de 1958, constante no arquivo pessoal do tenor Fernando Serafim, que realizou, com Lopes-Graça ao piano, a estreia da peça em 1959. Deve-se destacar o carácter comemorativo da presença do Desafio na conferência e no recital adiante descritos, previstos para 2019, sessenta anos após a sua estreia.

Conferência
Propõe-se apresentar a conferência Fernando Lopes-Graça e a literatura moderna brasileira: suas abordagens musicais de Manuel Bandeira e Jorge Amado, cujo resumo e bibliografia encontram-se em apêndice ao fim deste documento. As apresentações serão ilustradas com exemplos sonoros e audiovisuais, visando familiarizar um público não especializado com as referências literárias e musicais em questão.

Recital
O recital comentado Fernando Lopes-Graça e a poesia brasileira, a ser apresentado pela autora deste projeto e pianista a definir, contempla, além do Desafio, canções brasileiras que foram interpretadas no Rio de Janeiro em 1958 pela soprano Lia Salgado e Francisco Mignone ao piano, em um recital/sarau dedicado a Manuel Bandeira, do qual também participaram Lopes-Graça e o tenor António Saraiva. Também fazem parte do programa canções brasileiras apresentadas por intermédio de Lopes-Graça em Portugal na década de 40, nos concertos da Sonata. Considerando-se o foco na produção literária brasileira, optei por não incluir canções sobre melodias folclóricas ou textos populares anónimos.
bolsa
Mãos Oblíquas
 
 

Mãos Oblíquas é um projecto de investigação que parte das obras de Ana Hatherly (1929-2015) e de Herberto Helder (1930-2015). Não apenas contemporâneos, os dois autores produziram obras profundamente marcadas por uma potência interartística: a de Hatherly é-o tanto conceptualmente quanto se estende à prática mesma de várias artes (literatura, artes plásticas, cinema); a de Helder, pelo contrário, é estritamente textual, literária, mas nela dá-se uma intensa aproximação a outras artes (se podemos dizer que o cinema e as artes plásticas foram fundamentais para a constituição da sua obra, nela encontram-se igualmente referências à escultura, à dança, à música). Em causa está não só o uso de vocabulário a elas referente, mas também processos através dos quais se dá a ver como em outras artes.

O presente projecto pretende constituir uma espécie de arquivo que ao iluminar estas práticas interartísticas permita uma reflexão aprofundada e a abertura de novas vias de sentido. Temos, assim, como objectivo a conceptualização de um sítio internet de promoção do pensamento e da criação artística em torno, num primeiro momento, de Ana Hatherly e de Herberto Helder, mas desejavelmente extensível aos autores a que a Cátedra Cascais Interartes se dedica. Visual e conceptualmente, o sítio inspirar-se-ia na ideia de bairro: uma espécie de mapa, feito à mão, a ser percorrido em vários sentidos (todas as ruas se cruzam), que ligaria diferentes autores e diferentes artes, sublinhando o sentido forte de comunidade, não só a dos autores, mas também a dos leitores e espectadores – e, em analogia, um entendimento das artes e do seu cruzamento como constituição mesma de uma comunidade imaterial.
Deste modo, trata-se da criação de um sítio interartístico e multidisciplinar, que acentue as possibilidades criativas, materiais e relacionais (hiperligações) que a internet possui, isto é, um espaço no qual a intermedialidade seja tanto pensada quanto praticada. Seria assim uma oportunidade de, até do ponto de vista visual, mostrar uma rede de ligações e de sentidos, de formas de aproximação e de contaminação entre as artes partindo de dois autores, que podemos considerar exemplares de práticas que atravessam universos artísticos.

Por fim, importa referir que este sítio é vocacionado tanto para o público em geral quanto para um público mais especializado.

2. ENTREVISTAS
 
entrevista
Antonio Sáez-Delgado

Oito anos após a publicação do primeiro número em 2010, a revista Suroeste acaba de fazer vir a lume o seu oitavo volume. Sob os auspícios da Junta da Extremadura e da Fundación Godofredo Ortega e Muñoz, e, desde o início, dirigida por Antonio Sáez Delgado, esta revista afirma o propósito de: «servir como punto de diálogo y unión para todas las literaturas peninsulares en sus diferentes lenguas, para lo cual publica textos (poesía, narrativa, ensayo y crítica) inéditos y sin traducciones.» Foi sobre este periódico que parte do princípio de que a Península Ibérica é um «mosaico de culturas» e «uma babel de línguas» que a Newsletter Cascais Interartes conversou com o seu director que é também poeta, ensaísta, docente universitário e membro do conselho científico da Cátedra Cascais Interartes.

NCI - Gostava de começar esta conversa com um aspecto que me parece relevante, o de a Suroeste poder reclamar uma filiação modernista. Penso, como é óbvio, na Sudoeste, concebida e dirigida por Almada Negreiros, uma «publicação mítica» como é reconhecido na vossa declaração de princípios. Aliás, para além da semelhança da designação, o perfil estético dos primeiros números da Suroeste ecoam visualmente o da Sudoeste. O que me podes dizer a este respeito?

ASD – É evidente que a Suroeste tem uma filiação, faz parte de uma tradição. A Sudoeste de Almada é, nesse sentido, uma referência imediata, também porque antes da aparição do primeiro número da nossa revista, em 2010, coordenei no Museo Extremeño e Iberoamericano de Arte Contemporáneo de Badajoz uma grande exposição intitulada exactamente assim, Suroeste. Relações literárias e artísticas entre Portugal e Espanha (1890-1935). Poderíamos dizer que o catálogo dessa exposição, editado pela Assírio & Alvim e que remetia nitidamente, do ponto de vista gráfico, para a Sudoeste de Almada, foi o ponto de partida deste nosso projecto. Um projecto, aliás, que quer fazer parte de uma rica tradição de revistas que tentaram, ao longo dos tempos, estabelecer contactos entre Portugal e Espanha, com uma clara matriz modernista: Contemporânea ou La Gaceta Literaria, entre outras.

NCI - A tua resposta conduz-nos à segunda questão que gostava de te colocar; uma questão algo óbvia, a da opção de apresentar os textos nas línguas que formam “esta Babel”, excepção feita ao basco. Achas que existe uma capacidade de reconhecimento estético por parte dos leitores que é transversal aos diferentes microcosmos em causa? Deixa-me esclarecer um pouco melhor esta ideia: até que ponto a leitura, a identificação da mensagem, digamos, não cria uma certa opacidade face às questões estéticas concretas que caracterizam cada um dos textos publicados?

ASD – Na Suroeste aparecem textos em todas as línguas ibéricas, sem tradução, com excepção do Euskera, em cujo caso aparece acompanhado por uma tradução para português ou castelhano. Já Fernando Pessoa falou da ideia de uma revista literária em duas línguas, e chegou à conclusão de que o espanhol e o português eram as línguas idóneas para esse projecto. Nós queremos ir um bocadinho além, e pedir ao leitor o esforço de ler também textos em galego ou catalão na língua original. Nesta linha editorial subjaz qualquer coisa como um humilde (mas também ambicioso, e muito necessário nos nossos dias) princípio ético, ao pedirmos ao leitor um esforço na compreensão do outro peninsular.


NCI - Não achas, portanto, que essa opção possa, de alguma forma, suscitar idiossincrasias nacionalistas? Serão detectáveis, a nível dos diferentes textos, traços culturais específicos dos diferentes solos que dão corpo à Península Ibérica?

ASD – Falávamos antes da Sudoeste almadiana, com o pano de fundo dos textos que ele escreveu sobre Portugal e Espanha. Era um diálogo cultural bilateral, baseado no eixo Lisboa-Madrid.  O que a Suroeste pretende é um diálogo cultural múltiplo e plural, em que possam participar esses grandes eixos, mas também elementos tradicionalmente considerados periféricos e que precisam de uma reconfiguração num novo mapa de relações, através de relações de igualdade. Nesse sentido, a revista situa-se muito próxima do espírito, cultural e ideológico, dos chamados Estudos Ibéricos.

NCI – Em que medida ensaios como os de Isabel Araújo Branco sobre Alejo Carpentier e José Eduardo Agualusa, publicado no número oito, e que se situam naquilo que podemos considerar um espaço comparatista, podem exactamente contribuir para um entendimento das especificidades e identidades culturais num campo de hospitalidade face ao outro?

ASD – O espaço comparatista é fundamental no nosso projecto, exactamente por ser uma das vias privilegiadas para favorecer esse diálogo. E também é fundamental abrir esse coro de vozes ao âmbito das literaturas ibero-americanas ou africanas.

NCI - Não sendo habitualmente reconhecível uma orientação temática, podes esclarecer-nos sobre quais os critérios que subjazem à construção de cada número da Suroeste?

ASD – O primeiro critério visível é fazer conviver criação e crítica, tentar construir uma publicação em que possam dialogar, pela sua vez, poetas e narradores com ensaístas e/ou académicos. Assim sendo, a revista tem cinco secções fixas: Poesia, Narrativa, Ensaio, Entrevista e Montra de Livros. Dentro de cada uma delas, tentamos que estejam representadas as diferentes línguas e culturas ibéricas, mas livremente, sem percentagens nem quotas predeterminadas.

NCI - A minha última questão prende-se com o número que acabou de ser publicado. Podes, ainda que brevemente, dar-nos a conhecer o seu perfil? Quantas línguas da Península podemos nele identificar?

ASD – No número que acabou de aparecer colaboram cerca de 40 autores com textos inéditos, escritos em português, castelhano, catalão, euskera e galego. Publicamos também uma ampla e muito interessante entrevista com a Profª Maria Idalina Resina Rodrigues, em que revisita toda uma vida dedicada ao Hispanismo...

NCI – Muito obrigado pela tua disponibilidade, Antonio.
 
entrevista
João Pedro d'Alvarenga
 
Com as suas raízes remotas nos cânticos entoados nas sinagogas ainda antes da era cristã, o canto gregoriano assume a sua identidade estética ainda na Baixa Idade-Média, sempre associado ao ritual religioso. O canto gregoriano deve esta sua designação ao papa Gregório Magno (540-604) que reuniu em duas colectâneas - o Antifonário, com as melodias ligadas às Horas Canónicas, e o Gradual Romano, com as referentes à Missa. O latim, como língua de comunicação estética também, foi um dos seus traços distintivos. Embora tendo persistido até ao século XX, com a introdução das línguas vernaculares no ritual religioso trazida pelo Vaticano II, a sua função, num contexto de celebração, ter-se-á confinado aos mosteiros. Será, por isso, de assinalar o recital de canto gregoriano que decorreu no Mosteiro dos Jerónimos no passado mês de Julho. Para além de obras canónicas neste género, foi possível ouvir também várias obras de compositores  contemporâneos. A Newsletter da Cátedra Cascais Interartes conversou com João Pedro d’Alvarenga, musicólogo e membro do conselho científico da Cátedra, a propósito deste evento.
NCI - O claustro da Igreja dos Jerónimos encheu-se para ouvir canto gregoriano. Sendo este um género musical à partida distante das sensibilidades estéticas contemporâneas, como se justificará, na sua opinião, esta adesão por parte do público?

JPA -Como justamente refere, as «estéticas contemporâneas» são plurais, tanto nos seus objectos, com nas suas relações referenciais com o passado e o presente, nas suas relações com o porvir, ou na deliberada negação de tudo isto. Com excepções muito pontuais no uso litúrgico, o canto gregoriano está hoje despojado do seu contexto original: passou a ser um objecto de fruição estética, exactamente como, por exemplo, uma Cantata de Bach (que, apesar de ter passado à sala de concerto, mantém uma dimensão funcional na liturgia Protestante, cuja canto congregacional deriva, aliás, da hinologia Católica). O canto gregoriano constitui, assim, a parte mais significativa do património inconsciente a que poderíamos chamar a «memória tonal» do Ocidente cristão, desde logo por causa da sua longevidade, que, no curso dos séculos, não só nutriu o substrato primitivo das tradições musicais populares europeias, como alimentou a criação musical de tradição escrita, a partir da monodia medieval sacra e profana e das primeiras manifestações de música polifónica, que era aliás entendida como uma mera «amplificação» do canto gregoriano. José Saramago, nos Cadernos de Lanzarote, Diário III, coloca precisamente a questão da adesão do público, a propósito da 3.ª Sinfonia do compositor polaco Henryk Górecki (1933-2010), obra de 1976, cuja estética, escreve, «flutua por cima das épocas todas, com preferência pelo canto gregoriano e por uma espécie de neoprimitivismo modal», questionando depois «como pode isto agradar a um público criado a biberões de rock duro». Ora, creio que a adesão do público encontra explicação na aparente invariabilidade melódica do canto gregoriano, que potencia precisamente a ideia de estabilidade – a «flutuação por cima das épocas todas», que Saramago refere – e, consequentemente, a ideia de paz, condições que o mundo actual faz que se nos escapem por entre os dedos e que, individual e colectivamente, queremos desesperadamente agarrar, ainda que as nossas escolhas existenciais, ou meramente os «biberões de rock», as contrariem.

NCI - Além disso, creio ser de registar a adesão por parte de vários próprios compositores contemporâneos. Não será por acaso que o recital foi designado O Canto Gregoriano na Música do século XXI. Há algo de contemporaneidade neste género? Pode ajudar-nos a compreender o motivo dessa adesão?

JPA - A contemporaneidade do canto gregoriano é indissociável, tanto da sua função, como do seu legado estético. Historicamente, o canto gregoriano forneceu material para as composições que se escreviam. Frequentemente, aos textos litúrgicos vinham associadas as respectivas melodias, em torno das quais se elaboravam outras em trama polifónica, que configurava uma obra nova. A adesão de inúmeros compositores modernos e contemporâneos ao canto gregoriano assenta, ora na sua dimensão estética (em que se incluem particularidades de carácter «gramatical», de organização do discurso musical), ora no seu legado espiritual, ora na sua dimensão simbólica. A propósito desta última, tomemos o caso da sequência Dies irae, uma muito conhecida composição poética pós-gregoriana criada em ambiente Franciscano, que data do século XIII e que passou a integrar a Missa de Defuntos canónica até ao Concílio Vaticano II. Por causa da escatologia do texto, centrado no desespero e no medo do julgamento, encontramos a sua melodia citada em muitas dezenas de obras, de natureza tão díspar quanto a Symphonie Fantastique de Berlioz (1830), a ópera Faust de Gounod (1859), pelo menos sete obras de Rachmaninoff, incluindo o poema sinfónico A Ilha dos mortos (Die Toteninsel, 1909) e a Rapsódia sobre um tema de Paganini para piano e orquestra (1934), ou em música de filmes, como Shining, de Stanley Kubrick (Wendy Carlos, 1980), ou O Senhor dos Anéis (Howard Shore, 2001, 2003).

NCI - Gostava que nos explicasse ainda a importância que o espaço assume neste tipo de recital. Não me refiro apenas às óbvias condições acústicas. Penso também na forma como os cantores utilizaram os diferentes espaços ao longo do recital e de cada uma das composições também.

JPA - A utilização dos espaços adjacentes à nave central, nomeadamente os braços do transepto e os púlpitos laterais ao altar-mor, em conjugação com a localização fixa do órgão, destina-se precisamente a explorar as diferentes acústicas que resultam da variação de posições das fontes sonoras e das suas respectivas «espessuras». Esta variedade influi na percepção espacial, ou seja, no reconhecimento da latitude e distância relativas do som, potenciando assim o enriquecimento da experiência sensorial dos ouvintes.

 
3. NOTÍCIA
 
ORATÓRIA
JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA

 
O sítio da Pastoral da Cultura apresentou recentemente um artigo dedicado à apresentação da oratória Credo, da autoria de José Tolentino Mendonça, no festival Todos - Caminhada de Culturas. Pela importância que assume este evento no âmbito da nossa actividade cultural, e pelo facto de se tratar de uma obra assinada por um membro do conselho científico da Cátedra Cascais Interartes, reproduzimos, com a devida vénia, excertos do texto assinado por Rui Jorge Martins.
O jornalista começa por recordar que esta oratória foi estreada mundialmente na igreja de S. Domingos, em Lisboa, no ano de 2015, também no âmbito do festival Todos. Nela confluem obras de compositores contemporâneos como Britten e medievais como Machaut, e ainda do canto sufi e harmónico. Entre os instrumentos envolvidos na composição de uma hora de duração estão a kora, harpa-alaúde conhecida na África ocidental, o oud, árabe, da família dos alaúdes, a par do violoncelo, baixo elétrico e o órgão.
A partitura de músicas para nove intérpretes e instrumentistas de múltiplas proveniências traduz-se numa «oração íntima, não ritual, para quem acredita que Deus existe, mas também para quem, observando uma estrela ou diante de um desastre, reza para que Deus exista», observou o maestro, Mario Tronco.
«O que melhor expressa a experiência de Deus, em qualquer língua e em qualquer credo, é o silêncio. A fé é uma manifestação de confiança no silêncio. Todos os livros sagrados, todas as preces que já se escreveram ou se escreverão, todas as teologias, arquiteturas ou artes que, de uma forma ou de outra, associamos ao sagrado, todas as ritualidades, tão diversas na sua morfologia, mas mantendo entre si equivalências tão flagrantes, são mapas para aproximar-se do silêncio», escreveu D. José Tolentino Mendonça na folha de sala da oratória, em 2015.
Por isso, continua, «as experiências religiosas são instrumentos para observar o enigma do mundo; são modos de habitar não apenas a pergunta radical que nós humanos transportamos, mas aquela interrogação ardentemente irremovível que somos; são estratégias de perfuração do visível; são a consideração de que aquilo que tateamos não é o fim, mas o princípio apenas; são laboratórios para o interminável e doloroso espanto que viver significa; são epifania, relance, vislumbre, deslumbre, revelação».
«Talvez por serem hermenêuticas do silêncio, as religiões mantêm com a música uma relação tão íntima, tão inesperada, tão criativa, tão verdadeira. Nietzsche escreveu que ”sem a música, a vida seria um engano". Religião e música encontram-se aí: na busca e na tradução de um sentido para a vida», salientou o poeta e teólogo.
 
“Um buraco de luz para Deus”
José Tolentino Mendonça
Composição da oratória Credo
Ligo o braço longe a uma estrela
A lua límpida sobe no céu
Um anel passa através de outro anel
Procuro o tempo e encontro a passagem
Procuro a morada e encontro o relento
Às vezes mesmo sem voz
Às vezes até sem palavras
Silêncio que Deus me deu
És uma forma de luz
Tornas sagrado o que existe, centelhas da verdade
Somos o barro, somos poeira
O teu vento errante nos leva
Eu sei existe em mim, mesmo no fundo de um poço
Um buraco de luz para Deus
Um nome escrito no céu
E não sei o que fazer e rezo
Rezo sem saber dizer o quê e a quem
Mas rezo
Rezo o chão e a flor, o pão e a fome,
Rezo o branco e a dor
Nas letras do teu nome
Há um buraco de luz

 
 
4. CONFERÊNCIAS
 
 
 
MÁRIO DIONÍSIO
A Imprensa Nacional publicou recentemente a Poesia Completa de Mário Dionísio, uma obra de grande fôlego que nos permite ter uma percepção mais global da sua intensa e diversificada actividade literária. Colaborador de revistas como Presença ou Seara Nova, autor de prosas breves reunidas em O dia cinzento, a ele se deve ainda uma criação crítica e ensaística de relevo, entre a qual se destaca A paleta e o mundo. Ao longo da sua vida, Mário Dionísio privou com inúmeros escritores seus contemporâneos, entre os quais se destaca Carlos de Oliveira.
Para conversar connosco sobre estas e outras dimensões, a Cátedra Cascais Interartes convidou José Manuel Mendes, escritor, ensaísta e docente universitário. Desde há décadas rosto da Sociedade Portuguesa de Escritores, José Manuel Mendes é uma figura privilegiada para desvendar aspectos menos conhecidos da personalidade de Mário Dionísio.
A palestra terá lugar pelas 16h, do próximo dia 20 de Outubro, no Centro Cultural de Cascais.

 
DAVID MOURÃO-FERREIRA
Quem teve a felicidade de conhecer David Mourão-Ferreira como docente de literatura na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, certamente guarda na memória a sua notável capacidade para desvendar as singularidades estéticas dos textos que dava a conhecer aos seus alunos. E não nos referimos apenas aos estudantes portugueses, pois também aqueles que, ainda antes dos programas Erasmus, frequentavam os chamados cursos de Verão daquela Faculdade, foram por ele impressionados. Foi, exactamente, num destes cursos que David Mourão-Ferreira tomou os contos de Branquinho da Fonseca para desvendar o solo com que muitos desses jovens contactavam pela primeira vez. No entanto, muitas outras pessoas recordarão a sua vertente como poeta; outras, como prosador. Outra ainda assume particular relevância, a do ensaísta que nos legou Hospital das Letras. Será essa vertente, em particular, deste autor que integra o grupo de personalidades-foco da Cátedra Cascais Interartes, que Pedro Ferré, professor catedrático da Universidade do Algarve e membro do conselho científico da Cátedra, irá proferir uma palestra pelas 16h, do dia 17 de Novembro, no Centro Cultural de Cascais. Uma palestra a não perder.
 

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